quinta-feira, 1 de outubro de 2009

DOCUMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA

INFORMANÇÕES EXTRAÍDAS DO SITE:

http://www.verbojuridico.com/doutrina/penal/gravacao2.html

A questão da documentação das declarações prestadas em audiência de julgamento

REFERÊNCIAS

Dr. José Mouraz Lopes, Juiz de Círculo
Data do Estudo: Junho de 1999

TEXTO INTEGRAL

A entrada em vigor das alterações ao CPP, no passado dia 1.1.99, após a revisão de 1998 veio, entre outras alterações de fundo, modificar o regime de recursos estabelecido no Código.

O objectivo destes apontamentos não é apreciar a matéria de recursos, mas tão só uma das suas consequências imediatas, qual seja a da alteração do regime da documentação das declarações orais prestadas em audiência de julgamento - artigo 363º e 364º.
Dispõe o artigo 363º do CPP que "as declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a asseguar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que lei expressamente o impuser".

Este o príncipio geral da documentação das declarações prestadas em audiência de julgamento em processo comum.
No entanto e desde logo excepcionando o princípio, quando a audiência decorre em processo comum singular, estabelece o artigo 364º que as declarações prestadas oralmente são sempre documentadas na acta, salvo se, até ao início das declarações do arguido previstas no artigo 343º, o Ministério Público, o defensor ou o advogado do assistente declararem unanimemente para a acta que prescindem da documentação.
Ou seja, quando o julgamento decorre perante o tribunal singular o Código admitindo a regra da documentação das declarações prestadas em audiência, simultaneamente institui a possibilidade de exceção a tal princípio.

Não há documentação das declarações se os intervenientes, por acordo, no início da audiência dela prescindirem.
Ao prescindirem da documentação obviamente que os mesmos intervenientes renunciam, à partida, ao recurso a que teriam direito sobre a matéria de facto - artigo 428º nº 2 do CPP.

A exceção ao princípio regra da documentação da audiência estabelecida no artigo 364º, no que respeita aos julgamentos em processo comum singular, está estabelecida na lei apenas para essa situação.
Admitir, por isso, essa excepção também para os julgamentos em tribunal colectivo não tem qualquer suporte legal.

Se dúvidas houvesse quanto a este regime, a instituição do novo sistema de recursos interpostos dos acordãos dos julgamentos efectuados pelo tribunal colectivo, corta rente a veleidade da interpretação contrária e, ao contrário reafirma inequivocamente que, quando a audiência decorre em tribunal colectivo, a documentação das declarações nela prestadas nunca pode ser prescindida.


Porque não há em qualquer situação renuncia prévia ao recurso em matéria de facto.
Não se torna possível, em função da excepcionalidade do artigo 364º do CPP estender a aplicabilidade do dispositivo aí estabelecido sobre a declaração prévia de renuncia à documentação das declarações prestadas em audiência, com a consequente renuncia ao recurso.


Ou seja, há sempre, quando a audiência decorre perante em tribunal colectivo, documentação das declarações aí prestadas, na acta.
Este o princípio inquestionavelmente adoptado pelo legislador de 1998, na sequência da instituição do duplo grau de jurisdição em matéria de facto agora consagrado nos artigos 400º, 402º, 410º nº 2, 427º e 428º nº 1 do CPP.


O regime imperativo da documentação das declarações orais em processo comum colectivo só cessa se e enquanto o tribunal não "puder de dispor de meios estenotipicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas".

Repare-se que, ao contrário, nos casos de julgamento em processo comum singular e nos casos em que a lei expressamente o impuser - caso dos julgamentos na ausência do arguido - quando o tribunal não puder de dispor de meios estenotipicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idôneos a assegurar a reprodução integral daquelas, terá o juiz que ditar para a acta o que resultar das declarações prestadas - artigo 364º nº 4 do CPP.

Também a excepcionalidade desta norma para os casos de julgamento em processo comum singular e nos demais casos em que a lei o estabelecer, não permite, no entanto a sua aplicação analógica, nomeadamente para as situções de julgamento em processo comum colectivo. E compreende-se que assim seja porquanto, em tribunal colectivo são três os juizes que apreciam a prova e não um unico. É manifesto, por óbvio, que são diferentes as garantias do cidadão um julgamento justo, nomeadamente no que respeita à apreciação da prova.

Não há, por isso depoimentos ditados para a acta em tribunal colectivo.
A concretização do principio agora estabelecido nos artigos 363º e 364º do CPP tem como consequência imediata a possibilidade real do duplo grau recurso das decisões em matéria de facto.
Tal consequência, profusamente defendida por muitos ao longo de décadas, vê finalmente a luz do dia.

Para a sua concretização importa no entanto atentar que deverão ser levados em consideração normativos não expressamente explicitados no CPP.
Importa, como questão prévia à discussão que se atente na realidade existente nos tribunais onde o CPP é aplicado.
Desde logo porque a própria lei expressamente refere que "as declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas".

Ora se é conhecida a total ausência de meios estenotipicos ou estenográficos que possibilitem a transcrição de todas as declarações prestadas em audiência, estão os tribunais dotados hoje em dia, na sua esmagadora maioria, de meios de gravação audio minimamente adequados à função de gravação e reprodução dessas declarações.

Aliás a reforma do processo civil que entrou em vigor em 1.1.97 pressupôs a existência desses meios, na estrutura que adoptou para as audiências de julgamento e outros actos processuais que pressuponham tomada de declarações a pessoas.

Sendo os meios estenotípicos e estenográficos, aqueles que, em primeira linha, seriam os ideais à efectivação prática do príncipio da documentação das declarações, a sua inexistência não pode obstar à realização de um direito fundamental, qual seja o da possibilidade do recurso da matéria de facto, sendo certo que existem meios audio que se adequam à realização dos actos que possibilitam o exercício desse direito.

É por isso na pressuposição de que existem meios audio nos tribunais, permitindo-se por isso documentar as declarações prestadas em audiência, que faz sentido falar em transcrição dessas declarações, para efeitos de recurso da matéria de facto.
Recorde-se que quando o recorrente motiva o seu recurso, de acordo com o disposto no artigo 412º nº 4 do CPP estabelece este normativo que "quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição".

De acordo com as alíneas b) e c) do nº 3 do artigo em causa o recorrente, quando impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve especificar "b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas".
Do regime legal estatuido uma primeira conclusão importa retirar: apenas há lugar à transcrição da documentação das declarações prestadas como meios de prova gravadas em sistema audio em audiência quando há recurso da decisão e quando este não se cinge à matéria de direito.

Nestes casos, de inexistência de recurso ou quando este se limita à matéria de direito - para o STJ, nos termos do artigo 432º al d) e para o Tribunal da Relação, nos termos do artigo 428º nº 2 - não há lugar à realização de transcrição da documentação dessas declarações gravadas.

A esta conclusão não se opõe o estatuido no artigo 101º nº 2 do CPP que manda o funcionário que deverá redigir o auto (a acta, no caso de audiência de julgamento) - ou na sua impossibilidade pessoa idónea - que se tiver socorrido de meios estenográficos, estenotipicos ou outros diferentes da escrita comum, fazer "a transcrição no prazo mais curto possível".

É óbvio que, no que respeita às declarações prestadas para efeitos de prova, ao "mais curto prazo possível" deverá ser acrescentado, em termos interpretativos, quando houver lugar à transcrição das declarações de prova prestadas .
Basta pensar nas situações em que não há recurso, da matéria de facto ou outro, para que seja completamente inútil proceder à transcrição das declarações prestadas na audiência.

Questão diferente é a transcrição de tudo o que se passou na audiência de julgamento para a acta - e que não tenha que ver com declarações de prova - o que, aí sim, deverá ser efectuada, sempre pelo funcionário, no prazo mais curto possível.
Não explicita o CPP em que circunstâncias deverá ser efectuada a transcrição das declarações prestadas para efeitos de prova, em sede de recurso da matéria de facto, nomedamente quem a deve fazer e em que circunstâncias.

Trata-se obviamente de uma omissão que não pode deixar de ser entendida como uma lacuna e, para a qual, deve o intérprete lançar mão do disposto no artigo 4º do CPP.
Ou seja, "nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os príncipios gerais do processo penal".


Como é sabido a recente reforma do CPC veio, também ela consagrar o recurso em matéria de facto. Ao contrário do agora estatuido no CPP, o legislador do processo civil estabeleceu normativo regulador das transcrições a efectuar quando as provas tenham sido gravadas, atribuindo a incumbência dessas transcrições ao recorrente - artigo 690º A nº 2 do CPC
É pois ao recorrente que incumbe, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito datilografado, das passagens da gravação em que se funda o recurso.

Igualmente estabelece o artigo 690º A, agora no seu número 3 que, "incumbe à parte contrária, sem prejuizo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente".

O regime estabelecido deverá também ser aplicável, porque nenhum princípio processual penal é posto em causa com isso, ao regime das transcrições a efectuar no âmbito do recurso sobre a matéria de facto em processo penal.
Não sendo, obviamente, o processo penal um processo de partes, as referências efectuadas no artigo 690º A às "partes" deverá ser interpretada com referência aos intervenientes processuais - arguido, assistente, Ministério Público e parte civil.


À objecção à aplicação das normas contidas no CPC fundada na necessidade de todas as declarações prestadas deverem ser apreciadas pelo Tribunal de recurso, sob pena do princípio da verdade material que subjaz ao conhecimento do recurso ser postergado, entende-se que, depois de apreciada a situação no exame preliminar que obrigatoriamente será efectuado pelo relator, nos termos do artigo 417º do CPP, deverá este, se assim o entender, ordenar que se proceda à transcrição dos depoimentos que entender necessários ao conhecimento do recurso.


A transcrição dos depoimentos, nesta situação, deverá ser sempre efectuada no Tribunal superior, não necessitando para isso de serem os autos remetidos ao tribunal recorrido.
Também a impossibilidade económica de determinados sujeitos processuais os impedir de proceder à transcrição, que obviamente tem um custo, será suprida pelo despoletar do incidente de apoio judiciário que para esse efeito deverá ser requerido e em função da situação alegada, eventualmente deferido.

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